Taubaté pode proibir parcerias com entidades pró aborto.

Projeto de lei em Taubaté levanta debate jurídico e ético ao proibir parcerias com entidades que apoiem o aborto

A Câmara Municipal de Taubaté aprovou em março de 2024 o Projeto de Lei Ordinária de autoria do vereador João Henrique Dentinho, que proíbe a celebração de parcerias, termos de fomento, colaboração ou qualquer contrato com entidades públicas ou privadas que, de forma direta ou indireta, incentivem ou façam apologia à prática do aborto.

A proposta tem como justificativa a defesa da vida desde a concepção, argumento amparado por uma visão conservadora e religiosa do tema.

O texto da lei não traz exceções, e a sua redação ampla abre margem para múltiplas interpretações, o que levanta questionamentos jurídicos, éticos e práticos.

Um projeto com implicações profundas

Embora tenha sido apresentada como uma resposta à preocupação com a proteção da vida, a lei pode gerar efeitos colaterais importantes no ecossistema de políticas públicas de saúde, especialmente nas ações voltadas à saúde reprodutiva, planejamento familiar e atendimento a mulheres vítimas de violência sexual.

Diversas ONGs, associações civis e até unidades hospitalares públicas atuam com foco em oferecer informações e orientações a mulheres em situação de risco, muitas vezes abordando o aborto legal – permitido no Brasil em casos de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal.

Pela redação atual, até mesmo instituições que apenas forneçam informações sobre os direitos legais das mulheres podem ser consideradas inaptas para receber verbas públicas, o que representaria um cerceamento da atuação dessas entidades.

Outro ponto delicado é que o projeto pode ferir princípios constitucionais e diretrizes nacionais de saúde pública. O aborto, apesar de criminalizado em geral, é permitido no Brasil em três situações específicas (segundo o Código Penal e decisões do Supremo Tribunal Federal). Assim, uma ONG que ofereça suporte a mulheres em uma dessas situações não estaria promovendo ilegalidade, mas sim cumprindo a legislação vigente.

A proibição de repasses a essas instituições por parte do município pode ser entendida como uma violação da autonomia e do direito à informação, além de representar um potencial obstáculo ao acesso a serviços legalmente garantidos. Especialistas do direito público e constitucional poderiam argumentar que a lei municipal extrapola sua competência ao tentar restringir algo que é definido por normas federais.

A redação ampla e os riscos da generalização

O uso das expressões “apologia” ou “promoção indireta” sem uma definição clara no corpo da lei pode gerar insegurança jurídica. A depender da interpretação, qualquer campanha de educação sexual, distribuição de métodos contraceptivos ou mesmo discussões sobre direitos reprodutivos poderia ser enquadrada como incentivo ao aborto.

Esse tipo de abordagem tende a silenciar debates públicos fundamentais, criminalizando o diálogo e dificultando o trabalho de profissionais da saúde e da assistência social que atuam junto a populações vulneráveis.

Debate moral X políticas públicas

É legítimo que parlamentares representem valores de seus eleitores. No entanto, legislar sobre um tema tão sensível exige cautela, base técnica e compatibilidade com os marcos legais superiores. O risco do projeto aprovado em Taubaté é permitir que critérios ideológicos se sobreponham ao interesse público, dificultando o acesso a serviços essenciais de saúde reprodutiva e apoio psicossocial.

Além disso, a iniciativa não traz qualquer estudo de impacto social, financeiro ou jurídico. Não há dados sobre quantas entidades seriam afetadas, qual o orçamento envolvido, nem os reflexos sobre a rede de atendimento às mulheres no município.

A nova lei aprovada pela Câmara de Taubaté coloca o município no centro de uma discussão nacional.

A defesa da vida deve caminhar lado a lado com a garantia de direitos e o fortalecimento da rede pública de saúde e assistência. Legislações que busquem proibir parcerias com base em critérios morais precisam ser cuidadosamente avaliadas para que não infrinjam normas federais, não suprimam direitos adquiridos e não prejudiquem o trabalho de entidades sérias e legalmente constituídas.

Para que a aplicação dessa lei seja justa, será necessário regulamentar com clareza quais condutas configuram “promoção do aborto” e garantir que o acesso aos direitos legalmente previstos continue protegido.

Compartilhe esse post :

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest