COVID-19: vacinação e as relações de trabalho.
Notícia publicada em: 4 de fevereiro de 2021
O nosso mundo vivencia uma pandemia por conta do coronavírus, todavia questão relevante, relativa à luz do direito do trabalho, é responder a seguinte pergunta: o empregador pode exigir que seus empregados tomem a vacina?
A ciência jurídica, o direito, tem por objetivo primário regular as relações sociais, impondo a todos direitos e obrigações, consubstanciados em seus institutos legais.
O direito é ligado às ciências humanas, e, desta feita (in)felizmente não nos proporciona respostas lineares as mais diversas indagações, cabendo, portanto, interpretações com diferentes pontos argumentativos. E, a pergunta acima não é diferente, há pontos, há argumentos, diferentes, ou seja, há especialistas que apontam que o empregador poderá exigir a vacinação de seus funcionários, e há juristas que argumentam a impossibilidade de tal exigência.
Analisemos.
Primeiramente vejamos os argumentos favoráveis a possibilidade de o empregador exigir a vacinação de seus empregados.
A Constituição da República no inciso XXII do artigo 7º traz como um direito subjetivo de todo o trabalhador, um ambiente de labor saudável, ou seja, um ambiente de trabalho que lhe proporcione proteção adequada a sua saúde. Prescreve tal inciso: Art. 7º, XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Como se trata de um direito subjetivo do trabalhador, e, com base no princípio da proteção (núcleo central da hermenêutica juslaboral), nasce o dever do empregador em proporcionar um ambiente de trabalho seguro e saudável a seus funcionários.
Assim, como a pandemia afeta a todos, teria, o empregador, com base neste argumento o direito de exigir à vacinação de seus empregados, afinal um empregado não vacinado pode colocar em risco todos os colaboradores da empresa.
Ademais argumentam os juristas favoráveis, que a Norma Regulamentadora nº 9 obriga os empregadores a seguirem inúmeros preceitos que proporcionem ao empregado um ambiente de trabalho saudável.
Outro argumento aglutinador desta posição afirma que o Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, determinou que a vacinação é obrigatória, e que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, podem estabelecer regramentos relativos à imunização, bem como sanções contra quem não se imunizar.
Portanto a par destes argumentos estaria o empregador resguardado (juridicamente) em determinar que seus funcionários se vacinem, pois, caso os mesmos se recusem (apontam alguns juristas) poderá o empregado ser demitido por justa causa, visto que, conforme observamos, estaria o mesmo colocando em risco o ambiente de trabalho.
Importante frisar que diversos especialistas apontam que a demissão por justa causa, deve ser precedida de sanções menores, como advertência e suspensão, e, ainda, que se houver regulamento na empresa, aconselham os mesmos, que as empresas promovam alterações em tais objetivando ali incluir à campanha de vacinação.
Agora analisemos os argumentos contrários.
Juristas que defendem que o empregador não poderá exigir a vacinação de seus empregados apontam o seguinte.
Primeiramente, a Magna Carta declara no inciso II do artigo 5º, o princípio da legalidade: Art. 5º, II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
Assim, como não há lei regulamentando a obrigatoriedade da vacinação e as relações de trabalho, o empregador não poderá exigir de seus empregados a imunização, sob pena de ferir o seu direito à escolha, sua liberdade.
Ademais estes juristas completam afirmando que é de competência exclusiva da União legislar sobre direito do trabalho (art. 22, I, CF), e, mesmo que os Estados, Distrito Federal e os Municípios estabeleçam cenários legais que regulamentam a questão da vacinação e as relações de trabalho, estes eventuais diplomas legais deverão ser declarados inconstitucionais, caso a União não regulamente.
Outro ponto discutido pelos juristas que defendem este posicionamento adverte que mesmo o Supremo determinando que a vacinação é obrigatória, estar-se-ia delimitando a obrigatoriedade do poder público de vacinar a todos, e que desta forma não estaria a empresa respaldada em obrigar seus funcionários a tomarem a vacina.
O que poderia a empresa é alertar o poder público de que um de seus funcionários se recusa a se vacinar, e, assim seria o poder público obrigado a tomar providências, e, não a empresa.
Portanto não caberia, na recusa da vacinação por parte do empregado, a demissão por justa causa, pois não haveria a falta grave praticada pelo empregado (face a ausência de instrumento legal regulamentando tal problemática – princípio da legalidade), e, eventual dispensa sem justa causa poderia ser considerada abusiva, discriminatória, pois haveria, por parte do empregador, a ingerência na liberdade individual do empregado.
Pois bem a par destas duas posições vamos externar a nossa.
Acredito que o empregador possa e deva exigir de seus empregados a vacinação, sob pena de demissão por justa causa, justifico.
Um dos objetivos da República, de acordo com nossa Constituição (art. 3º, IV) é promover o bem de todos. Esta promoção do bem de todos, em interpretação, face a pandemia que vivenciamos, é determinar que todos os cidadãos se vacinem, afinal a vacinação proporcionará um bem-estar social e um desafogamento do sistema público de saúde.
Ademais a mesma Carta Política (art. 6º, caput) informa como um direito e garantia fundamental de segunda geração, ou, um direito social, à saúde. E ainda, o artigo 196 da Constituição informa que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.
Portanto, em um primeiro momento, delimitamos que o Estado deve promover a imunização de todos os brasileiros, e na análise comparativa entre um direito e garantia fundamental (liberdade para se vacinar), a promoção do bem de todos, e a saúde enquanto dever estatal, pode, o Estado, em analogia interpretativa ao princípio do direito administrativo (supremacia do interesse público sobre o privado), determinar, como dissemos, a imunização obrigatória de todos, aplicando até mesmo sanções de ordem administrativa, civil ou criminal, em face de eventual recusa por parte do cidadão.
No ambiente laboral está exigência da obrigatoriedade deve também ser aplicada, seja por que, a Constituição determina no inciso XXII do artigo 7º um dever do empregador em proporcionar um meio ambiente de trabalho salubre a seus empregados, seja por que outros diplomas legais determinam o mesmo, como a Norma Regulamentadora nº 9.
A própria legislação consolidada em seu artigo 157, I, impõe como dever do empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. E o artigo 158, do mesmo diploma legal, impõe aos empregados a observância obrigatória das normas de segurança e medicina do trabalho.
Portanto caso o empregado se recuse a se vacinar, estaria ele colocando em risco todo o ambiente laboral, e não estaria observando as normas de segurança e medicina do trabalho, de forma lato sensu.
E, dependendo do contexto fático o contágio pode ser tipificado como doença ocupacional, como observou o Ministério da Economia em Nota Técnica (fonte: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2020/previdencia/dezembro/nota-tecnica-esclarece-sobre-caracterizacao-da-covid-19-como-doenca-ocupacional#:~:text=RESPOSTA%3A%20A%20depender%20do%20contexto,com%20ele%20se%20relaciona%20diretamente. Acesso em 04/02/2021): A depender do contexto fático, a Covid-19 pode ser reconhecida como doença ocupacional, aplicando-se na espécie o disposto no § 2º do artigo 20 da Lei nº 8.213, de 1991, quando a doença resulta das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente. Ela pode ainda constituir acidente de trabalho por doença equiparada, na hipótese em que a doença seja proveniente de contaminação acidental do empregado pelo vírus SARS-CoV-2, no exercício de sua atividade, nos termos do inciso III do artigo 21 da Lei nº 8.213, de 1991.
Assim a recusa do empregado de se vacinar pode ser tipificada como uma conduta passível de demissão por justa causa, visto que, colocar em risco a salubridade do ambiente de trabalho, é ato típico da quebra da fides contratual, e, até mesmo, pode configurar mau procedimento (art. 482, “b” da CLT).
Todavia observo que deve o empregador, mesmo que não exista regulamento na empresa conversar com todos os seus funcionários, a respeito da política de imunização obrigatória, e está “conversa” deve também ser documentada, para resguardar o empregador.
Dr. Danilo Homem de Melo Gomes da Silva